quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

11-365

 


Na minha infância e adolescência, eu apenas conhecia o Deus que a catequese e a sociedade, em geral, me mostravam. Eu não o entendia. Muito menos me identificava com Ele. Eu não aceitava como um Deus que me diziam ser só Amor poderia tratar os seus filhos de forma tão diferente: uns tão ricos, outros tão pobres, uns saudáveis, outros a sofrer com doenças. Por que Deus não faz nada? Por que não intervém? Como um Deus que é só Amor pode ameaçar-nos com Inferno? Como um Deus benevolente pode querer que a nossa vida seja vivida apenas de acordo com as Suas vontades e preceitos ou sofreremos punições? Quem não ouviu a frase "Deus castiga..." ?.. Por outro lado, sempre senti que nada poderia ser por acaso: a Natureza ser tão perfeita, com uma indiscutível inteligência própria, o nosso corpo, essa máquina complexa e igualmente perfeita, a Terra estar à exata distância do Sol que possibilita a existência de vida no planeta. Não pode ser por acaso! De alguma forma, sempre senti que alguma energia ou força maior regia tudo, que tudo, todos, estamos ligados, conectados por essa energia. Relutava em chamar essa força de Deus. Porque o Deus que eu conhecia era aquele, contraditório na minha forma de entender. Quanto mais li sobre outras crenças, outras tradições que não a predominante ocidental, sobre espiritualidade em geral, mais me abri a novas construções e, quanto mais abri a mente, mais percebi que não é com a mente que se entende Deus. O nosso intelecto é incapaz de compreender todos os porquês do Universo e da Vida. Sabemos que as leis da Física existem e nos regem, mas há mais para além dos nossos sentidos. Para mim, faz sentido que a Lei do Karma, por exemplo, também nos condicione, e de formas que, mais uma vez, extrapolam a nossa compreensão. Seria maravilhoso que todos nascêssemos ricos, saudáveis e tivéssemos vidas longas e constantemente felizes. Mas não é sob essas regras que parece que este mundo em que vivemos está construído. Há forças e movimentos que nos colocam a todos em situações distintas e, mais ainda, que fazem de nós seres absolutamente únicos. Somos como peças de um puzzle, cada um com o seu formato e desenho únicos, com o seu encaixe perfeito numa moldura bem maior. Pequenas partes de um Todo. Gosto de acreditar que viemos aqui para sermos humanos, com tudo o que isso abarca. Não viemos aqui para viver no Paraíso, mas para aprender a construir o nosso próprio Paraíso, com a dádiva do livre-arbítrio. Melhor ainda, viemos para perceber que o Paraíso sempre esteve, está e estará dentro de nós. Deus não se entende com a mente: Ele sente-se com o coração. Não, eu não ouvi Deus falar-me ao ouvido, não o vi, envolto em luz, em nenhuma aparição, mas eu sinto-o no meu coração cada vez que vejo um pôr-do-sol, as ondas do mar, os ipês coloridos. Quando entrei na Sagrada Família, quando ouço uma bela sinfonia ou o canto do sabiá, quando me sento ao piano. Quando o meu filho me abraça, quando olho para quem amo, quando o meu cachorro deita a cabeça no meu colo. Quando vejo a chuva cair, a beleza de uma flor ou de uma obra de arte. Quando, em momentos difíceis, me sinto amparada numa confiança de que tudo passa, tudo se encaixa, tudo flui pelo nosso melhor, quando ouço aquela vozinha interior que me diz que sim ou que não, quando uma força interior me impele a reerguer. Quando respiro fundo, quando sinto o meu coração bater, e a Vida a correr em mim. Sinto Deus quando me sinto conectada. Porque Deus é essa malha na qual todo o Universo se tece. Deus é o que nos dá vida e a sustenta, seja o nosso corpo, o de um animal, de uma planta ou de uma estrela. Deus é essa força que existe em tudo, que manifestou tudo. Porque o mesmo milagre que criou esse pôr-do-sol, criou-me. A mesma beleza única que existe nesse pôr-do-sol, existe no mais profundo e intocável da minha alma. Quando contemplamos, quando nos permitimos sentir e envolver, percebemos que, no nosso objeto de contemplação, há uma energia pulsante. Como uma onda, ela vem na nossa direção, muitas vezes de forma arrebatadora, e percebemos que a energia que se tornou perceptível para nós lá, também flui em nós, aqui. O contrário também acontece: sentimos a energia em nós e, ao contemplar algo, percebemos que a energia também existe lá. O que eu percebo fora, existe dentro, e vice-versa. Porque tudo são espelhos, tudo é feito da mesma matéria, tudo faz parte da mesma malha em que somos pontos de uma teia, constantemente interligados pela energia que flui incessantemente. A malha é a energia e é a malha que, nos seus fios, possibilita a interação entre todos os seus pontos. E essa energia é amorosa. Deus é, realmente, Amor. E Amor, já todos sabemos, "tem razões que a razão desconhece". Amor não se entende, não se explica, teoriza ou conceptualiza: apenas se sente. Apenas É. Deus É. E porque Ele É, todos viemos a Ser.

(Se lhe custar, como a mim há 10 anos atrás, utilizar a palavra Deus, experimente escolher outra que o sirva melhor: Cosmos, Natureza, Universo ou, simplesmente, Energia.)

Sem comentários:

Enviar um comentário