No Ocidente, temos muito receio de falar na morte. Até de pensar na morte. Vivemos como se não soubéssemos que, um dia, vamos morrer. Vivemos como se esse dia fosse daqui a muito, muito, muito tempo, como se talvez, até lá, a tecnologia e a medicina pudesse evoluir tanto que já seja possível viver para sempre e, afinal, esse dia nem tenha de chegar. Fazemos planos para daqui a 1 ano, 5 anos, 10 anos quando, na verdade, esse dia pode ser hoje. Pode ser amanhã.
Ter consciência da nossa mortalidade traz-nos para o Agora, e Agora é a única coisa que sempre tivemos e sempre teremos. A vida é uma incessante sucessão de Agora. Daqui a pouco não existe. Há bocado já deixou de existir. Enquanto escrevo, cada palavra me leva a um novo Agora. Cada respiração profunda me transporta de um Agora até outro. Vivemos sempre Agora. A nossa mente pode vaguear entre passado, presente e futuro, mas a Vida acontece sempre Agora e, quando tiver de nos deixar, também será Agora.
Por estes dias, refletia eu sobre o quão imprevisível e inexplicável é a morte. Assim como não sabemos de onde vem esta centelha que nos dá Vida, também não sabemos por que ela nos deixa. Sim, o corpo deixa de funcionar, ou por doença, ou por acidente, seja lá que razão for, o nosso corpo não reage mais da forma que deveria, mas... eu refiro-me ao momento exato em que se morre. Num momento, há algo no corpo que lhe dá Vida e, no momento seguinte, a Vida deixa aquele corpo. O que a segurava ali? Pensem naquelas mortes súbitas, em que a pessoa estava, aparentemente, saudável e, de um minuto para o outro, cai inerte. Por quê naquele exato segundo, o que animava aquele corpo deixa de o fazer? Eu não temo a morte, nunca temi, na verdade. O que dói é a ausência dos outros em mim ou a minha ausência nos outros. A Morte, em si, é uma coisa que aceito tão naturalmente como a Vida. Acho tão inexplicável eu estar aqui agora quanto, um dia, deixar de estar. Como a vida é cheia de sincronicidades, entre uma linha e outra que escrevia aqui, assisti a um episódio (o sexto) de Sandman. Esse episódio começa com Sandman a conversar com a sua irmã, Morte, e a acompanhá-la em um dia de trabalho dela. Bonita, calma e simpática, a Morte vai passeando pela cidade, visitando as pessoas que tem de visitar nesse dia. Entre uma corrida, umas braçadas na água, e uma música no violino, nenhuma delas percebe que morre, até que a Morte lhes sorri e as leva pela mão. Nenhuma delas sofre. Deixam-se levar por Ela, envoltos no seu sorriso, na compaixão do seu olhar. Assistir este episódio neste exato momento, foi como se o Cosmos me respondesse: sim, a Morte é apenas uma moça bonita que, no momento que tiver de ser, nos sorri e nos leva pela mão. Até lá, aproveito a dádiva que me foi concedida: viver. Agora.
Sem comentários:
Enviar um comentário