sábado, 28 de janeiro de 2023

28-365

 


No Ocidente, temos muito receio de falar na morte. Até de pensar na morte. Vivemos como se não soubéssemos que, um dia, vamos morrer. Vivemos como se esse dia fosse daqui a muito, muito, muito tempo, como se talvez, até lá, a tecnologia e a medicina pudesse evoluir tanto que já seja possível viver para sempre e, afinal, esse dia nem tenha de chegar. Fazemos planos para daqui a 1 ano, 5 anos, 10 anos quando, na verdade, esse dia pode ser hoje. Pode ser amanhã.
Ter consciência da nossa mortalidade traz-nos para o Agora, e Agora é a única coisa que sempre tivemos e sempre teremos. A vida é uma incessante sucessão de Agora. Daqui a pouco não existe. Há bocado já deixou de existir. Enquanto escrevo, cada palavra me leva a um novo Agora. Cada respiração profunda me transporta de um Agora até outro. Vivemos sempre Agora. A nossa mente pode vaguear entre passado, presente e futuro, mas a Vida acontece sempre Agora e, quando tiver de nos deixar, também será Agora.
Por estes dias, refletia eu sobre o quão imprevisível e inexplicável é a morte. Assim como não sabemos de onde vem esta centelha que nos dá Vida, também não sabemos por que ela nos deixa. Sim, o corpo deixa de funcionar, ou por doença, ou por acidente, seja lá que razão for, o nosso corpo não reage mais da forma que deveria, mas... eu refiro-me ao momento exato em que se morre. Num momento, há algo no corpo que lhe dá Vida e, no momento seguinte, a Vida deixa aquele corpo. O que a segurava ali? Pensem naquelas mortes súbitas, em que a pessoa estava, aparentemente, saudável e, de um minuto para o outro, cai inerte. Por quê naquele exato segundo, o que animava aquele corpo deixa de o fazer? Eu não temo a morte, nunca temi, na verdade. O que dói é a ausência dos outros em mim ou a minha ausência nos outros. A Morte, em si, é uma coisa que aceito tão naturalmente como a Vida. Acho tão inexplicável eu estar aqui agora quanto, um dia, deixar de estar. Como a vida é cheia de sincronicidades, entre uma linha e outra que escrevia aqui, assisti a um episódio (o sexto) de Sandman. Esse episódio começa com Sandman a conversar com a sua irmã, Morte, e a acompanhá-la em um dia de trabalho dela. Bonita, calma e simpática, a Morte vai passeando pela cidade, visitando as pessoas que tem de visitar nesse dia. Entre uma corrida, umas braçadas na água, e uma música no violino, nenhuma delas percebe que morre, até que a Morte lhes sorri e as leva pela mão. Nenhuma delas sofre. Deixam-se levar por Ela, envoltos no seu sorriso, na compaixão do seu olhar. Assistir este episódio neste exato momento, foi como se o Cosmos me respondesse: sim, a Morte é apenas uma moça bonita que, no momento que tiver de ser, nos sorri e nos leva pela mão. Até lá, aproveito a dádiva que me foi concedida: viver. Agora.

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