sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

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Se há assunto que eu acho fascinante é o livre-arbítrio. Quando eu tinha os meus 16, 17 anos, e começou aquela pressão para decidir que curso seguir, comecei a fazer essa reflexão: até onde vai o nosso livre-arbítrio? Porque eu, claramente, não tinha a menor propensão que fosse para, por exemplo, seguir Medicina. O menor interesse, vocação, capacidade (de lidar com sangue, etc) que fosse. E comecei a questionar-me: nós podemos mesmo ser tudo o que quisermos? Ou nós apenas queremos aquilo que podemos Ser?
No ano passado, ao estudar mais yoga, deparei-me com o conceito de samskara. (Desculpem-me alguma imprecisão, pois não sou entendida no assunto, mas vou aventurar-me aqui.) Samskara pode ser interpretado como uma impressão, uma marca ou uma "cicatriz". Digamos que, quando nascemos, não temos folhas em branco para preencher, mas folhas que já vêm com algumas linhas impressas, algumas marcas. Desde que nascemos, as nossas ações também vão imprimindo letras a lápis nessas folhas. Tornam-se impressões (samskara) na nossa folha. Primeiro escritas de leve, mais fáceis de ser apagadas mas, à medida que reiteramos ações e reações delas decorrentes, essas linhas vão ficando escritas de forma mais forte, até que podem ficar marcadas a caneta, o que dificulta a sua edição. Imagine que, em criança, cada vez que ficava triste, ganhava um doce para se alegrar. Na primeira vez, o doce foi uma boa surpresa. Na segunda vez, ainda uma boa surpresa. Na terceira vez, já foi um antecipado conforto. A cada vez que isso acontecia, na sua folha, começava a ser escrito em letras cada vez mais fortes "quando eu estou triste, preciso de um doce para me alegrar". Em breve, essa ação-reação torna-se uma impressão, uma atitude totalmente inconsciente e automática. Voltando à questão do livre-arbítrio: parece-me plausível que já cheguemos aqui, a este mundo, com certas "impressões" que nos guiam. (De que outra forma explicar a paixão que tive, desde que me entendo por gente, pela ginástica artística, por exemplo?) Também me parece essencial que olhemos atentamente para as nossas "folhas em branco" e comecemos a ponderar o que está ali impresso. (Eu preciso mesmo desse doce para me confortar ou alegrar, ou será que eu posso escolher traçar um novo caminho aqui?) Nós temos, sim, livre-arbítrio de escolher o que fazer com o que nos é dado. E temos, aliás, o dever, connosco mesmos, de refletir sobre as nossas ações e reações. Quanto mais conseguirmos livrar-nos de linhas que não precisam estar impressas nas nossas folhas, mais espaço em branco temos para nos reinventarmos e, com ações conscientes - livres! - reescrevermos a nossa história. 

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